sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

ACIDENTES DE TRÂNSITO: RESPONSABILIDADE DE QUEM?


Em 1976, quando apresentamos o trabalho “O comunicador social e a prevenção em acidentes de tráfego”, dissemos que as tensões da vida moderna fizeram do automóvel um instrumento de evasão, de libertação e de fuga. O indivíduo parece hoje ter perdido sua identidade, massificado e massacrado pela sociedade de consumo, num processo agravado pela globalização da economia. Com ela, ele se isola do mundo, coloca-se contra ele, fica “machão” e ao volante de um carro, para auto-afirmar-se na sua insegurança, atropela, mata e morre. A indústria automobilística tem apresentado um avanço extraordinário, mas o carro continua sendo uma arma de guerra nas mãos de irresponsáveis.
Os aspectos psicossociais e médicos analisados na segurança do tráfego, na recuperação das vítimas, dos parentes, com as conseqüências de tudo isso, dão o reflexo do que vivemos cotidianamente. Pelo número de acidentes, suas conseqüências e reflexos na sociedade, entendem-se os 31 mil óbitos, aproximadamente, por ano no Brasil. Isso sem contar o número dos feridos com seqüelas graves, que os levam a ficar em cadeiras de rodas ou a viver em fundos de quintais, isolando-se ou abandonados socialmente.
O que assusta é que a opinião pública se mantém apática, sem ser despertada principalmente pela mídia, que só noticia as desgraças. Não se mostram os defeitos e as correções necessárias, o modo como os cidadãos devem ser educados e esclarecidos para o trânsito. No caso, “o silêncio não é de ouro”, mas é impróprio. Os números absurdos causam menos impressão do que doenças conhecidas e temidas. Basta que alguns casos de cólera suscitem emoção para que a região atingida seja posta no index e evitada, ao passo que se tolera um número cada vez maior de mortes nas ruas e nas estradas.
Nos países e nas regiões desenvolvidas, os acidentes matam um número bem maior de crianças e de adultos do que a tuberculose ou qualquer outra doença infecto-contagiosa no momento. Salvo melhor juízo e estatística, entre as causas de óbito, somente as doenças cardiovasculares e o câncer encontram-se à frente dos acidentes de tráfego. Hoje, acima de 50% dos óbitos em crianças de cinco a quatorze anos ocorrem no trânsito.
O combate à opinião fatalista, segundo a qual os acidentes de trânsito são inevitáveis e são obras de destino, é nossa função, apresentando inclusive dados do êxito alcançado na indústria e na construção civil com o trabalho preventivo e educativo para evitar os acidentes de trabalho. Os acidentes de trânsito não constituem exceção, e o trabalho de prevenção deve dar ênfase à seleção de motoristas, com bom exame médico e psicológico, bom treinamento e, especialmente, educação, desde a pré-escola e em nível multidisciplinar. Da pré-escola deveriam sair os primeiros ensinamentos de respeito à lei, aos semáforos, aos cintos de segurança, aos capacetes, a como acomodar as crianças nos veículos, como respeitar a faixa de segurança, enfim, um ensinamento básico que servirá para a vida toda. Assim, o complexo homem x veículo x estrada x meio, seria um assunto educacional globalizado. Determinando as causas que provocam determinados tipos de acidentes, também se devem pôr em prática, com rapidez e determinação, medidas eficazes para evitá-los.
No passado, as estatísticas atribuíam a responsabilidade ao motorista por 70% dos acidentes de trânsito; outros 30% eram dados à má conservação e má construção das rodovias, má conservação do veículo e desinformação do pedestre. Hoje os números mudaram, e o motorista praticamente é o responsável por 90% dos acidentes, embora os outros 10% restantes também sejam de responsabilidade indireta da pessoa humana, nos itens referidos à pessoa – veículo – estrada – meio ambiente, inclusive com pedestres.
Diante disso, do ponto de vista epidemiológico, acidente de tráfego é uma doença crônica de discutíveis conhecimentos etiológicos, senão subjetivos, cuja prevenção seria reprimir o tráfego de veículos, condição que não é aceita no mundo de hoje. Mas os acidentes não acontecem e, sim, são provocados; por isso, são inaceitáveis as conseqüências que provocam, traumáticas. É imprescindível que se examinem os problemas e as soluções de eficácia comprovada, procurando, ao mesmo tempo, atenuar as perspectivas futuras com base nas últimas investigações. Admitimos que o homem é acionado por dois impulsos antagônicos: “o impulso de vida e o impulso de morte”. O acidente é a explosão do impulso de morte, e o indivíduo procura-o de modo mais disfarçado, mais subjetivo possível, de maneira que ele próprio não o percebe. O uso do cinto de segurança em países desenvolvidos tem a freqüência entre 75 a 90%, com que se reduz em 30% o número de mortes, mutilados e inválidos.
Diante do exposto, concluímos que a educação para a prevenção de acidentes é a principal meta. Os exames de motorista devem merecer cuidados especiais, avaliando-se a sua personalidade e o seu comportamento, que podem repercutir concomitantemente a outros sintomas originários de qualquer mal coadjuvante, como a ansiedade, a depressão, o etilismo, a drogadicção, a epilepsia ou problemas mentais, entre outros.
Na realidade, a impunidade dos condutores faz da justiça algo comprometedor. Por exemplo, qual é a pena para condutores que cometem mortes ou lesões graves, com seqüela de invalidez, quando andam em velocidade abusiva ou alcoolizados? Qual seria a pena para o indivíduo que mata e atropela intencionalmente? Modificar a legislação e a aplicação de penalidades faz-se urgente e necessário. Raramente um crime de trânsito é considerado doloso porque, mesmo dirigindo imprudente ou negligentemente, é difícil provar que o indivíduo teve o objetivo de matar ou de ferir alguém. Urge que se editem leis específicas de contravenções, específicas para punir os “rachas” e outras atitudes de violência no trânsito. Qual a pena se matar alguém em assalto ou num bar? Cadeia. Julgamos que a justiça e a CUT têm de mudar para acabar com a impunidade e impedir que o motorista continue agredindo a si mesmo e à sociedade.
Em reunião da Associação Médica Brasileira, ocorrida em 25 de março de 1983, em Goiânia, depois de longa luta por nós desenvolvida para a criação da especialidade de medicina do tráfego, pelo uso obrigatório do cinto de segurança nos automóveis e do uso do capacete pelos motoqueiros, obtivemos resultados compensadores.
O trabalho efetuado por 16 anos foi baseado no número de mortes, de mutilados e de inválidos no trânsito, cuja idade preocupante fica entre 18 e 30 anos, a mais produtiva da pessoa humana para si e para a nação. Desta forma, mantivemos a nossa dedicação à medicina preventiva, assistencial e legal, baseados no transporte aéreo, marítimo e terrestre.
A indústria automobilística tem nos apresentado um avanço técnico inimaginável. Máquinas potentes são armas de guerra nas mãos de irresponsáveis. A motocicleta, por exemplo que ocupa um espaço três vezes menor que o automóvel, mais econômica, mais ágil, mais veloz, circula em espaços menores, muitas vezes impróprios, facilita a locomoção e a execução de trabalhos, como o dos “motoboys”, por exemplo. Mas, constitui grande risco da maneira como é usada, pois não têm proteção. Estatísticas comprovam que as motocicletas causam quatro vezes mais acidentes, atingindo os membros inferiores, os membros superiores e levando a fraturas no plexo braquial, tão importante na fase da sobrevida, do trabalho e aos recursos humanos, em grande percentual, a cabeça, com trauma cranioencefálico, que causa a morte, entretanto este último reduz em 67% quando usado o capacete.
Há maneiras de proteção que poderiam ajudar o motoqueiro além do uso do capacete, como roupas especiais (coloridas), luvas, farol aceso, não circular entre os carros, usar sempre a direita do tráfego, usar a moto de acordo com seu tipo físico, fazer revisão da moto regularmente, não usar pneus carecas, evitar a chuva, cansaço, estresse, álcool e psicotrópicos que diminuem a atenção.
Atualmente, a maioria dos acidentes se dá com jovens do sexo masculino, nos primeiros anos. Na França, constatou-se que 44% dos acidentes ocorrem com menos de 1.000km rodados. Por isso, o treinamento é importante, assim como o aquecimento do corpo antes de sair. As arrancadas bruscas nas saídas ou nas passagens no semáforo, colidindo com atrasados ou adiantados, podem ser evitadas com os rigores da lei.
A moto é um meio de locomoção eficiente, ágil, econômico, mas perigoso quando não se respeitam as regras básicas, que devem ser dadas nas moto-escolas, em número ineficiente e, quando usada deficientemente na educação, sem treinamento adequado do motoqueiro, que muitas vezes leva um passageiro totalmente despreparado, desprotegido, deseducado, aumentando o risco de ambos.
O exame de motorista e motociclista, portanto, deve ser feito com extrema responsabilidade. Se necessário, deve-se pedir exames complementares, como estudo da personalidade e outros, como salvaguarda na prevenção de acidentes de trânsito, que é o objetivo de toda a sociedade humana, na melhoria da qualidade de vida.


 Dr. Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra



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