Em 1976,
quando apresentamos o trabalho “O comunicador social e a prevenção em acidentes
de tráfego”, dissemos que as tensões da vida moderna fizeram do automóvel um
instrumento de evasão, de libertação e de fuga. O indivíduo parece hoje ter
perdido sua identidade, massificado e massacrado pela sociedade de consumo, num
processo agravado pela globalização da economia. Com ela, ele se isola do
mundo, coloca-se contra ele, fica “machão” e ao volante de um carro, para
auto-afirmar-se na sua insegurança, atropela, mata e morre. A indústria
automobilística tem apresentado um avanço extraordinário, mas o carro continua
sendo uma arma de guerra nas mãos de irresponsáveis.
Os
aspectos psicossociais e médicos analisados na segurança do tráfego, na
recuperação das vítimas, dos parentes, com as conseqüências de tudo isso, dão o
reflexo do que vivemos cotidianamente. Pelo número de acidentes, suas
conseqüências e reflexos na sociedade, entendem-se os 31 mil óbitos, aproximadamente,
por ano no Brasil. Isso sem contar o número dos feridos com seqüelas graves,
que os levam a ficar em cadeiras de rodas ou a viver em fundos de quintais,
isolando-se ou abandonados socialmente.
O que
assusta é que a opinião pública se mantém apática, sem ser despertada
principalmente pela mídia, que só noticia as desgraças. Não se mostram os
defeitos e as correções necessárias, o modo como os cidadãos devem ser educados
e esclarecidos para o trânsito. No caso, “o silêncio não é de ouro”, mas é impróprio.
Os números absurdos causam menos impressão do que doenças conhecidas e temidas.
Basta que alguns casos de cólera suscitem emoção para que a região atingida
seja posta no index e evitada, ao passo que se tolera um número cada vez maior
de mortes nas ruas e nas estradas.
Nos
países e nas regiões desenvolvidas, os acidentes matam um número bem maior de
crianças e de adultos do que a tuberculose ou qualquer outra doença
infecto-contagiosa no momento. Salvo melhor juízo e estatística, entre as
causas de óbito, somente as doenças cardiovasculares e o câncer encontram-se à
frente dos acidentes de tráfego. Hoje, acima de 50% dos óbitos em crianças de
cinco a quatorze anos ocorrem no trânsito.
O
combate à opinião fatalista, segundo a qual os acidentes de trânsito são
inevitáveis e são obras de destino, é nossa função, apresentando inclusive
dados do êxito alcançado na indústria e na construção civil com o trabalho
preventivo e educativo para evitar os acidentes de trabalho. Os acidentes de
trânsito não constituem exceção, e o trabalho de prevenção deve dar ênfase à
seleção de motoristas, com bom exame médico e psicológico, bom treinamento e,
especialmente, educação, desde a pré-escola e em nível multidisciplinar. Da
pré-escola deveriam sair os primeiros ensinamentos de respeito à lei, aos
semáforos, aos cintos de segurança, aos capacetes, a como acomodar as crianças
nos veículos, como respeitar a faixa de segurança, enfim, um ensinamento básico
que servirá para a vida toda. Assim, o complexo homem x veículo x estrada x
meio, seria um assunto educacional globalizado. Determinando as causas que
provocam determinados tipos de acidentes, também se devem pôr em prática, com
rapidez e determinação, medidas eficazes para evitá-los.
No
passado, as estatísticas atribuíam a responsabilidade ao motorista por 70% dos
acidentes de trânsito; outros 30% eram dados à má conservação e má construção
das rodovias, má conservação do veículo e desinformação do pedestre. Hoje os
números mudaram, e o motorista praticamente é o responsável por 90% dos
acidentes, embora os outros 10% restantes também sejam de responsabilidade
indireta da pessoa humana, nos itens referidos à pessoa – veículo – estrada –
meio ambiente, inclusive com pedestres.
Diante
disso, do ponto de vista epidemiológico, acidente de tráfego é uma doença
crônica de discutíveis conhecimentos etiológicos, senão subjetivos, cuja
prevenção seria reprimir o tráfego de veículos, condição que não é aceita no
mundo de hoje. Mas os acidentes não acontecem e, sim, são provocados; por isso,
são inaceitáveis as conseqüências que provocam, traumáticas. É imprescindível
que se examinem os problemas e as soluções de eficácia comprovada, procurando,
ao mesmo tempo, atenuar as perspectivas futuras com base nas últimas
investigações. Admitimos que o homem é acionado por dois impulsos antagônicos:
“o impulso de vida e o impulso de morte”. O acidente é a explosão do impulso de
morte, e o indivíduo procura-o de modo mais disfarçado, mais subjetivo
possível, de maneira que ele próprio não o percebe. O uso do cinto de segurança
em países desenvolvidos tem a freqüência entre 75 a 90%, com que se reduz em
30% o número de mortes, mutilados e inválidos.
Diante
do exposto, concluímos que a educação para a prevenção de acidentes é a
principal meta. Os exames de motorista devem merecer cuidados especiais,
avaliando-se a sua personalidade e o seu comportamento, que podem repercutir
concomitantemente a outros sintomas originários de qualquer mal coadjuvante,
como a ansiedade, a depressão, o etilismo, a drogadicção, a epilepsia ou
problemas mentais, entre outros.
Na
realidade, a impunidade dos condutores faz da justiça algo comprometedor. Por
exemplo, qual é a pena para condutores que cometem mortes ou lesões graves, com
seqüela de invalidez, quando andam em velocidade abusiva ou alcoolizados? Qual
seria a pena para o indivíduo que mata e atropela intencionalmente? Modificar a
legislação e a aplicação de penalidades faz-se urgente e necessário. Raramente
um crime de trânsito é considerado doloso porque, mesmo dirigindo imprudente ou
negligentemente, é difícil provar que o indivíduo teve o objetivo de matar ou
de ferir alguém. Urge que se editem leis específicas de contravenções,
específicas para punir os “rachas” e outras atitudes de violência no trânsito.
Qual a pena se matar alguém em assalto ou num bar? Cadeia. Julgamos que a
justiça e a CUT têm de mudar para acabar com a impunidade e impedir que o
motorista continue agredindo a si mesmo e à sociedade.
Em
reunião da Associação Médica Brasileira, ocorrida em 25 de março de 1983, em
Goiânia, depois de longa luta por nós desenvolvida para a criação da
especialidade de medicina do tráfego, pelo uso obrigatório do cinto de
segurança nos automóveis e do uso do capacete pelos motoqueiros, obtivemos
resultados compensadores.
O
trabalho efetuado por 16 anos foi baseado no número de mortes, de mutilados e
de inválidos no trânsito, cuja idade preocupante fica entre 18 e 30 anos, a
mais produtiva da pessoa humana para si e para a nação. Desta forma, mantivemos
a nossa dedicação à medicina preventiva, assistencial e legal, baseados no
transporte aéreo, marítimo e terrestre.
A
indústria automobilística tem nos apresentado um avanço técnico inimaginável.
Máquinas potentes são armas de guerra nas mãos de irresponsáveis. A motocicleta,
por exemplo que ocupa um espaço três vezes menor que o automóvel, mais
econômica, mais ágil, mais veloz, circula em espaços menores, muitas vezes
impróprios, facilita a locomoção e a execução de trabalhos, como o dos
“motoboys”, por exemplo. Mas, constitui grande risco da maneira como é usada,
pois não têm proteção. Estatísticas comprovam que as motocicletas causam quatro
vezes mais acidentes, atingindo os membros inferiores, os membros superiores e
levando a fraturas no plexo braquial, tão importante na fase da sobrevida, do
trabalho e aos recursos humanos, em grande percentual, a cabeça, com trauma
cranioencefálico, que causa a morte, entretanto este último reduz em 67% quando
usado o capacete.
Há
maneiras de proteção que poderiam ajudar o motoqueiro além do uso do capacete,
como roupas especiais (coloridas), luvas, farol aceso, não circular entre os
carros, usar sempre a direita do tráfego, usar a moto de acordo com seu tipo
físico, fazer revisão da moto regularmente, não usar pneus carecas, evitar a
chuva, cansaço, estresse, álcool e psicotrópicos que diminuem a atenção.
Atualmente,
a maioria dos acidentes se dá com jovens do sexo masculino, nos primeiros anos.
Na França, constatou-se que 44% dos acidentes ocorrem com menos de 1.000km
rodados. Por isso, o treinamento é importante, assim como o aquecimento do
corpo antes de sair. As arrancadas bruscas nas saídas ou nas passagens no
semáforo, colidindo com atrasados ou adiantados, podem ser evitadas com os
rigores da lei.
A moto é
um meio de locomoção eficiente, ágil, econômico, mas perigoso quando não se
respeitam as regras básicas, que devem ser dadas nas moto-escolas, em número
ineficiente e, quando usada deficientemente na educação, sem treinamento
adequado do motoqueiro, que muitas vezes leva um passageiro totalmente
despreparado, desprotegido, deseducado, aumentando o risco de ambos.
O exame
de motorista e motociclista, portanto, deve ser feito com extrema
responsabilidade. Se necessário, deve-se pedir exames complementares, como
estudo da personalidade e outros, como salvaguarda na prevenção de acidentes de
trânsito, que é o objetivo de toda a sociedade humana, na melhoria da qualidade
de vida.
Médico Psiquiatra
Nenhum comentário:
Postar um comentário