sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Humanidade, que droga?


“Há terapeutas que dizem àqueles que os procuram: “É preciso que você ame mais a você mesmo...” E o pobre se entrega, então, à impossível tarefa de se tornar objeto de amor para si mesmo. Esse foi o terrível erro de Narciso... Só há uma forma de amarmos a nós mesmos: quando perdemos a consciência de nós mesmos por estarmos totalmente cheios com a beleza do mundo.”(Rubem Alves)

Procuramos, desde a mais remota Antiguidade, algo que tivesse a propriedade de aliviar as dores, serenar as paixões, livrar-nos das angústias, dos medos, da insegurança para poder ter vida, alegria, felicidade e realização. A alegria e a realização pessoal estão ligadas ao fato de se ter uma mente privilegiada, capaz de poder prever, sem fantasias, o futuro, de se ter coragem de enfrentar as dificuldades da vida, as tristezas, o vazio ou nossas manias grandiosas sem necessitar buscar resultados doentios através das drogas.
A demonstração da vida nos ensinou que tanto ontem como hoje o ser humano sempre encontra justificativas no modo como procura sua felicidade, seu bem-estar, mesmo que seja pelo uso de drogas.
Muitas vezes, sufocamos a nossa memória (um ato bom, para libertar-nos de recordações), esquecemos as disputas doentias (como o ciúme, a inveja, os maus pensamentos), esquecemos a tristeza da vida ou exatamente o contrário, as euforias, que podem ser agravadas com a fantasia. Essa “sufocação” pode se dar pela atividade, pelo trabalho, pelos bons pensamentos ou até pelo uso de drogas, principalmente quando se trata de personalidades doentias.
Isso poderá ocorrer com qualquer pessoa que está sofrendo daquilo que chamaria de “ausência da felicidade”. A tristeza, assim como a alegria, é contagiante. Acontece que nossa “dor” transfere para o outro sensações igualmente angustiantes, o que leva ao desejo de atuar sobre essa dor, tanto em episódios depressivos como maníacos (euforia), o que poderá nos oferecer a droga como meio para nosso alívio. Quem já teve reza para não passar novamente pelo problema. Quem não teve não tem idéia da confusão mental que comanda os neurônios no período da depressão. A droga (lícita ou ilícita) alivia momentaneamente os sintomas, as dores, mas por tempo limitado, e pode levar ao hábito e, finalmente, ao vício, na busca fantasiosa da cura.
Com nossa experiência, podemos pensar que as distimias, o transtorno afetivo bipolar, que na sua maioria têm caráter hereditário, levam o indivíduo a buscar fantasiosamente os etílicos, a cocaína, a morfina, a maconha, o crack, os anestésicos e outros, cujo principal objetivo é aliviar as “dores”.
Experiências também nos mostram que, nos episódios agudos de intoxicação e dependência que conduzem o indivíduo à intervenção, após a desintoxicação, reaparecem os sintomas de depressão ou euforia, que levam à repetição do uso de drogas.
As drogas, necessariamente, não produzem dependência e, sim, a pessoa passa a ser dependente. Não devemos subestimar que a administração, com uso repetitivo e freqüente de produtos lícitos ou ilícitos, pode levar à dependência física, psíquica e química.
O que fazer? É a pergunta que fica pendente em nossa mente.
Um dos recursos terapêuticos é a psiquiatria. O tratamento psiquiátrico adequado permite diagnosticar se o indivíduo traz consigo desde o nascimento predisposição de caráter hereditário, desenvolventista e de personalidade.
A observação feita na clínica psiquiátrica é de que o hábito acaba em toxicomania, em dependência, pois toda a droga, no caso, é usada para compensar direta ou indiretamente a falta de prazeres na vida. Ainda temos de refletir que, com o tempo, as disputas doentias da humanidade, levando às guerras, envolvendo famílias, religiões e governos, estimulam o uso da droga. Desde 1950, aproximadamente, as “tramas diabólicas” permitiram aos traficantes o acesso de um percentual muito elevado de dependentes. Hoje, estamos condicionados pela dependência psíquica e física, que reforçadas pela dependência social. Todos nós utilizamos algum tipo de droga.
A análise profunda dos fatores que levam ao uso de drogas nos revela distúrbios de comportamento que se apresentam na mais tenra idade, sempre ligados a fatores familiares, escolares, profissionais, sociais. Volto a reforçar que a grande maioria tem cunho biológico comprovado em estudos mais recentes.
Outra referência necessária relaciona-se às “perdas” importantes, como da vida de pessoas próximas, perdas financeiras, doenças acometidas, traumas de acidentes pessoais ou coletivos, o estresse pós-traumático de formação reativa, que fazem com que os sintomas de depressão ou mania/euforia levem a buscar as drogas para aliviar os sintomas. Exemplo, a crise de 11 e setembro de 2001 nos Estados Unidos ou as queimadas nos campos da Europa em 2003, enfim, “batalhas” coletivas, com sintomas e reações também coletivas.
Estamos descrevendo problemas que afetam a sociedade de hoje numa proporção antes nunca vista. Estudos mostram os sérios comprometimentos individuais e sociais da depressão, levando a ser grande preocupação dos Estados Unidos, pelos dias de serviço perdidos, e também no mundo desenvolvido, pelas conseqüências sérias na saúde, no convívio social, nas questões legais, comprometendo profundamente as relações humanas grupais. As estatísticas ainda nos mostram que 5% das pessoas têm depressão e 10 a 20% vão sofrer depressão em algum momento de suas vidas. Proporcionalmente, cerca de 25% das mulheres e 10% dos homens vão sofrer depressão em algum momento da vida (fonte: depressão.org). No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, em média 5% das crianças até 12 anos têm algum sintoma de depressão
As variações reativas, de estresse e disritmias apresentam, na depressão, sintomas de solidão, isolamento, inquietação, ansiedade, tristeza, desânimo, vontade de chorar, medo, pessimismo e idéias de suicídio ou o oposto: euforia, insônia, fala e gastos exagerados, com delírio de grandeza e influência. Esses sintomas e a cura podem ser amenizadas com a ajuda do próprio paciente, em primeiro lugar, e também com contribuição da família, da escola, da religião, da sociedade, que, trabalhando conjuntamente com a terapia psiquiátrica, estarão evitando a busca milagrosa das drogas (principalmente ilícitas).A vida não é fácil para ninguém. Parece pior ainda para o deprimido. Não adianta o sol lindo ultrapassando os limites da janela e dando bom dia, os olhos mal conseguem abrir. O gosto da boca é ruim, o telefone tocando incomoda, o banho é quase obrigação, os pensamentos estão doentes. Ele quer morrer, seu corpo quer sumir e sua mente lamenta cada segundo. Por que isso tudo não acaba? Por que as pessoas não o deixam em paz? Felicidade? Que felicidade? Solidão total. Não adianta demonstrarem preocupação, amor, simpatia, ele quer mesmo desaparecer. Não sabe para onde, não sabe se do outro lado vai ter paz, deseja ir. Os caminhos, todos eles, são malcriados e parecem sem paciência. Por que o olham assim? Por que não o entendem? Por que sim? Por que não? Sim por quê? Não por quê?
Finalmente, a batalha deve continuar com objetivos e idéias saudáveis, com a participação dos jovens e adultos nas decisões familiares, escolares, sociais e, mesmo, nacionais. Assim, as inconformidades passaram a ser exploradas de uma maneira objetiva para a melhoria da qualidade de vida, nossa grande meta humana.
É necessário devolver ao depressivo a capacidade de amar para que a razão da vida seja o seu maior prazer de viver.

O olho, para ser bom, não pode ver a si mesmo. O bom olho é transparente. O olho que se vê é cego. O corpo, para ser bom, não pode se sentir. O corpo que se sente é o corpo doente. O corpo doente, por se sentir, não pode ver, nem ouvir, nem cheirar, nem sentir o prazer do gosto e do toque. Amar é ter alegria na relação com um objeto. Nessa alegria eu perco a consciência de mim mesmo: estou imerso na alegria do objeto. O corpo amoroso é o corpo onde mora um jardim. (Rubem Alves)




Albino Julio Sciesleski, Marisa Potiens Zilio

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