“Há
terapeutas que dizem àqueles que os procuram: “É preciso que você ame mais a
você mesmo...” E o pobre se entrega, então, à impossível tarefa de se tornar
objeto de amor para si mesmo. Esse foi o terrível erro de Narciso... Só há uma
forma de amarmos a nós mesmos: quando perdemos a consciência de nós mesmos por
estarmos totalmente cheios com a beleza do mundo.”(Rubem Alves)
Procuramos, desde a mais remota
Antiguidade, algo que tivesse a propriedade de aliviar as dores, serenar as
paixões, livrar-nos das angústias, dos medos, da insegurança para poder ter
vida, alegria, felicidade e realização. A alegria e a realização pessoal estão
ligadas ao fato de se ter uma mente privilegiada, capaz de poder prever, sem
fantasias, o futuro, de se ter coragem de enfrentar as dificuldades da vida, as
tristezas, o vazio ou nossas manias grandiosas sem necessitar buscar resultados
doentios através das drogas.
A demonstração da vida nos ensinou que
tanto ontem como hoje o ser humano sempre encontra justificativas no modo como
procura sua felicidade, seu bem-estar, mesmo que seja pelo uso de drogas.
Muitas vezes, sufocamos a nossa
memória (um ato bom, para libertar-nos de recordações), esquecemos as disputas
doentias (como o ciúme, a inveja, os maus pensamentos), esquecemos a tristeza
da vida ou exatamente o contrário, as euforias, que podem ser agravadas com a
fantasia. Essa “sufocação” pode se dar pela atividade, pelo trabalho, pelos
bons pensamentos ou até pelo uso de drogas, principalmente quando se trata de
personalidades doentias.
Isso poderá ocorrer com qualquer
pessoa que está sofrendo daquilo que chamaria de “ausência da felicidade”. A
tristeza, assim como a alegria, é contagiante. Acontece que nossa “dor”
transfere para o outro sensações igualmente angustiantes, o que leva ao desejo
de atuar sobre essa dor, tanto em episódios depressivos como maníacos
(euforia), o que poderá nos oferecer a droga como meio para nosso alívio. Quem
já teve reza para não passar novamente pelo problema. Quem não teve não tem
idéia da confusão mental que comanda os neurônios no período da depressão. A
droga (lícita ou ilícita) alivia momentaneamente os sintomas, as dores, mas por
tempo limitado, e pode levar ao hábito e, finalmente, ao vício, na busca
fantasiosa da cura.
Com nossa experiência, podemos pensar
que as distimias, o transtorno afetivo bipolar, que na sua maioria têm
caráter hereditário, levam o indivíduo a buscar fantasiosamente os etílicos, a
cocaína, a morfina, a maconha, o crack, os anestésicos e outros, cujo principal
objetivo é aliviar as “dores”.
Experiências também nos mostram que,
nos episódios agudos de intoxicação e dependência que conduzem o indivíduo à
intervenção, após a desintoxicação, reaparecem os sintomas de depressão ou
euforia, que levam à repetição do uso de drogas.
As drogas, necessariamente, não
produzem dependência e, sim, a pessoa passa a ser dependente. Não devemos
subestimar que a administração, com uso repetitivo e freqüente de produtos
lícitos ou ilícitos, pode levar à dependência física, psíquica e química.
O que fazer? É a pergunta que fica
pendente em nossa mente.
Um dos recursos terapêuticos é a
psiquiatria. O tratamento psiquiátrico adequado permite diagnosticar se o
indivíduo traz consigo desde o nascimento predisposição de caráter hereditário,
desenvolventista e de personalidade.
A observação feita na clínica
psiquiátrica é de que o hábito acaba em toxicomania, em dependência, pois toda
a droga, no caso, é usada para compensar direta ou indiretamente a falta de
prazeres na vida. Ainda temos de refletir que, com o tempo, as disputas
doentias da humanidade, levando às guerras, envolvendo famílias, religiões e
governos, estimulam o uso da droga. Desde 1950, aproximadamente, as “tramas
diabólicas” permitiram aos traficantes o acesso de um percentual muito elevado
de dependentes. Hoje, estamos condicionados pela dependência psíquica e física,
que reforçadas pela dependência social. Todos nós utilizamos algum tipo de
droga.
A análise profunda dos fatores que
levam ao uso de drogas nos revela distúrbios de comportamento que se apresentam
na mais tenra idade, sempre ligados a fatores familiares, escolares,
profissionais, sociais. Volto a reforçar que a grande maioria tem cunho
biológico comprovado em estudos mais recentes.
Outra referência necessária
relaciona-se às “perdas” importantes, como da vida de pessoas próximas, perdas
financeiras, doenças acometidas, traumas de acidentes pessoais ou coletivos, o
estresse pós-traumático de formação reativa, que fazem com que os sintomas de depressão
ou mania/euforia levem a buscar as drogas para aliviar os sintomas. Exemplo, a
crise de 11 e setembro de 2001 nos Estados Unidos ou as queimadas nos campos da
Europa em 2003, enfim, “batalhas” coletivas, com sintomas e reações também
coletivas.
Estamos descrevendo problemas que
afetam a sociedade de hoje numa proporção antes nunca vista. Estudos mostram os
sérios comprometimentos individuais e sociais da depressão, levando a ser
grande preocupação dos Estados Unidos, pelos dias de serviço perdidos, e também
no mundo desenvolvido, pelas conseqüências sérias na saúde, no convívio social,
nas questões legais, comprometendo profundamente as relações humanas grupais.
As estatísticas ainda nos mostram que 5% das pessoas têm depressão e 10 a 20% vão sofrer depressão
em algum momento de suas vidas. Proporcionalmente, cerca de 25% das mulheres e
10% dos homens vão sofrer depressão em algum momento da vida (fonte:
depressão.org). No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, em média 5%
das crianças até 12 anos têm algum sintoma de depressão
As variações reativas, de estresse e
disritmias apresentam, na depressão, sintomas de solidão, isolamento,
inquietação, ansiedade, tristeza, desânimo, vontade de chorar, medo, pessimismo
e idéias de suicídio ou o oposto: euforia, insônia, fala e gastos exagerados,
com delírio de grandeza e influência. Esses sintomas e a cura podem ser
amenizadas com a ajuda do próprio paciente, em primeiro lugar, e também com
contribuição da família, da escola, da religião, da sociedade, que, trabalhando
conjuntamente com a terapia psiquiátrica, estarão evitando a busca milagrosa
das drogas (principalmente ilícitas).A vida não é
fácil para ninguém. Parece pior ainda para o deprimido. Não adianta o sol lindo
ultrapassando os limites da janela e dando bom dia, os olhos mal conseguem
abrir. O gosto da boca é ruim, o telefone tocando incomoda, o banho é quase
obrigação, os pensamentos estão doentes. Ele quer morrer, seu corpo quer sumir
e sua mente lamenta cada segundo. Por que isso tudo não acaba? Por que as
pessoas não o deixam em paz? Felicidade? Que felicidade? Solidão total. Não
adianta demonstrarem preocupação, amor, simpatia, ele quer mesmo desaparecer.
Não sabe para onde, não sabe se do outro lado vai ter paz, deseja ir. Os
caminhos, todos eles, são malcriados e parecem sem paciência. Por que o olham
assim? Por que não o entendem? Por que sim? Por que não? Sim por quê? Não por
quê?
Finalmente, a batalha deve continuar
com objetivos e idéias saudáveis, com a participação dos jovens e adultos nas
decisões familiares, escolares, sociais e, mesmo, nacionais. Assim, as
inconformidades passaram a ser exploradas de uma maneira objetiva para a
melhoria da qualidade de vida, nossa grande meta humana.
É necessário devolver ao depressivo a
capacidade de amar para que a razão da vida seja o seu maior prazer de viver.
O olho, para ser bom, não pode ver a si
mesmo. O bom olho é transparente. O olho que se vê é cego. O corpo, para ser
bom, não pode se sentir. O corpo que se sente é o corpo doente. O corpo doente,
por se sentir, não pode ver, nem ouvir, nem cheirar, nem sentir o prazer do
gosto e do toque. Amar é ter alegria na relação com um objeto. Nessa alegria eu
perco a consciência de mim mesmo: estou imerso na alegria do objeto. O corpo
amoroso é o corpo onde mora um jardim. (Rubem Alves)
Albino Julio Sciesleski,
Marisa Potiens Zilio
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