sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Vingança


Que sentimento é este que faz tanto mal quanto àquele que desejamos a outros? Que rouba tempo, sono e criatividade? Que gera culpa, insatisfação e sentimento de impotência?
Embora seja este um dos sentimentos mais freqüentes do ser humano, são raros os estudos sobre a vingança.
No dicionário encontramos dois significados da palavra vingança. São significados controversos e contraditórios, porém são próximos se considerarmos do ponto de vista da análise psicológica: a) vingança como desforra ou cobrança; b) vingança de vingar, dar certo, dar frutos, produzir.
Vingança consiste na retaliação contra uma pessoa ou grupo em resposta a algo que foi percebido ou sentido como prejudicial. Embora muitos aspectos da vingança possam lembrar o conceito de igualar as coisas, na verdade a vingança em geral tem um objetivo mais destrutivo do que construtivo. Quem busca vingança deseja forçar o outro lado a passar pelo que passou e/ou garantir que não seja capaz de repetir a ação nunca mais.
Sobre as bases morais, psicológicas e culturais da vingança a filósofa Martha Nussbaum[1] escreveu:


"O senso primitivo do justo — notadamente constante de diversas culturas antigas a instituições modernas  . . . — começa com a noção de que a vida humana . . . é uma coisa vulnerável, uma coisa que pode ser invadida, ferida, violada de diversas maneiras pelas ações de outros. Para esta penetração, a única cura que parece apropriada é a contrainvasão, igualmente deliberada, igualmente grave. E para equilibrar a balança verdadeiramente, a retribuição deve ser exatamente, estritamente proporcional à violação original. Ela difere da ação original apenas na seqüência temporal e no fato de que é a sua resposta em vez da ação original — um fato freqüentemente obscurecido se há uma longa seqüência de ações e contra-ações".

  

Como a vingança se desencadeia do ponto de vista psicológico?
Quando algo perturbador acontece, gerando sofrimento ao indivíduo, a sua imaturidade psicológica se sente ameaçada. É algo tão forte, que mesmo raciocinando conscientemente, não consegue se desvincular das manifestações desconhecidas que traz, armazenadas em seu inconsciente, exigindo reparação, desforra, e mesmo a aniquilação do seu opositor.
Inicia-se, então, uma acirrada disputa entre o seu lado racional, procurando resistir a esse tipo de atitude, por identificar essa falha do caráter, e o seu lado irracional, revestido de toda sua bagagem sombria de manifestações inesperadas e inconseqüentes, desconhecidas da personalidade do indivíduo.
Esses impulsos doentios emergem de áreas desconhecidas do ego, e induzem o indivíduo a um trabalho de desenvolvimento perseverante de odiosidade, instaurando-lhe no mais profundo de seu ser a revolta e o desconforto ante o opositor, que se lhe apresenta como um perigo constante para sua segurança. Entretanto, nem sempre a figura do opositor é real, mas sim fruto da imaginação e do inconsciente.
O fenômeno ocorre tanto individualmente como em grupo. No individuo, esse comportamento provoca o perverso mecanismo conflitivo, que o leva ao desespero, e mesmo quando o outro já não mais lhe representa perigo algum, mesmo depois de se render ou ser aniquilado, os efeitos desastrosos da vingança não desaparecem frustrando a quem aparentemente estaria vitorioso. No grupo, como as nações, por exemplo, este fenômeno provoca o ensejo do desencadeamento das guerras.
Invariavelmente neurótico, o enfermo indivíduo que assim age, vitimado quase sempre pela repressão sexual infantil ou dominado pela sede do poder e da ambição, vive a competir com os demais, os quais passa a invejar por se encontrarem em melhores situações psicológicas que a dele.


Como classificar o sentimento de vingança?
A vingança é um transtorno neurótico, torpe, que liberta do inconsciente forças desordenadas sob o estímulo do “aniquilamento” do inimigo.
Curioso é notar, que o inimigo não é aquele que se torna combatido, mas sim o seu próprio “eu” que transfere para o outro, em fenômeno de projeção, o que guarda internamente. Ao armar-se de calúnia e de outros mecanismos de perseguição, contra aquele a quem odeia, está realizando uma luta inconsciente contra si mesmo, uma vez que está apenas projetando o lado escuro e sombrio da sua personalidade que lhe mantém preso a ignorância.
Fixa-se no adversário com implacável disposição de conseguir a sua extinção, que enganosamente, para ele dependerá sua liberdade a partir desse momento.
 Além da inferioridade moral que tipifica o vingador, o seu primarismo emocional elabora razões ponderadas que são arquitetadas pela mente em desalinho, para justificar o prosseguimento de tal façanha. Em outras oportunidades, sua inferioridade se projeta e não se sente devidamente capaz de competir contra valores significativos, os quais invariavelmente não possui.
Se por acaso, tiver a oportunidade de se harmonizar com o inimigo, não o perdoa interiormente – embora possa ser na verdade, o maior merecedor de perdão –, ruminando o que considera sua derrota até encontrar novos argumentos para dar prosseguimento à sanha doentia de vingança, pela sua libido atormentada.
Aqueles que se apóiam em mecanismos vingativos foram vítimas de repressão na infância ou juventude. Sentiram-se desprezados pelo grupo social e transferem agora suas frustrações para quaisquer outros, desde que isto lhes transformem em pessoas de poder ou ambiciosos dirigentes de “qualquer coisa”, em que a personalidade esquizóide, paranóide, maneirosa, falsamente humilde ou pretensiosamente dominadora possa a ser homenageada.


Conseqüências prejudiciais da vingança:
Os indivíduos que assim procedem, levados pelo sentimento desequilibrado e doentio da vingança, estarão sempre sujeitos a desviar-se de seus objetivos de vida ou até virem a ter crises psicossomáticas podendo transformarem-se personalidades psicopatas perigosas.


Reciprocidade ou vingança?
Quando perguntado se perdoava a quem o tinha ofendido, Gandhi respondeu: “Mas ninguém me ofendeu”. A frase de Gandhi nos aponta para uma mente sadia, que é capaz de perdoar ou de legitimar suas intenções, sem que opositores lhes pareçam inimigos ou pessoas a serem combatidas.
Se agirmos em represália, os nossos direitos mesmo que legitimados por termos jurídicos, perdem sua legalidade. Devolver na mesma moeda não constrói nem transforma a natureza humana.
As pessoas podem viver em harmonia, desde que respeitem suas divergências, suas diferenças e seus direitos. Também é importante saber que sentimentos nascem no mais íntimo do nosso ser e como já dito neste artigo, nem sempre reconhecidos por nós. Para isto, existem as terapias, o diálogo, a busca da espiritualidade e tantos outros mecanismos que não apenas farão bem à pessoa como a toda a humanidade.

Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra

Marisa Potiens Zílio
Psicopedagoga





[1] Martha Nussbaum é professora de Direito e Ética na Universidade de Chicago. É uma das mais inovadoras e influentes vozes do cenário filosófico atual.

Um comentário:

  1. A busca da espiritualidade através do sentimento de compaixão para depois o perdão.

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