Associada a possessões
divinas e demoníacas, a doenças contagiosas ou à loucura, a epilepsia, no
decorrer da história, encontrou diferentes formas de definição, diagnóstico e
tratamento. Em decorrência disso, muitos portadores foram e são vítimas do
preconceito, fato que colabora para que numerosas pessoas tornem-se resistentes
a admitir o diagnóstico ou a consentir em iniciar um tratamento adequado.
Teoricamente, a epilepsia
é doença que provoca uma alteração temporária e reversível do funcionamento do
cérebro. Entretanto, para ser considerada epilepsia, as convulsões não são
necessariamente desencadeadas por febre, drogas ou distúrbios metabólicos.
A partir de estudos e
pesquisas, em 1982 foi publicado, na Revista Brasileira de Medicina do Tráfego,
o artigo sob o título “Epilepsia e a medicina do tráfego”. O artigo discorre,
basicamente, sobre epilepsia e sua relação com o trânsito.
Na época em que o artigo
acima citado foi escrito, vivíamos num Brasil em desenvolvimento. Tínhamos uma
população de 120 milhões de habitantes, uma frota de aproximadamente 10 milhões
de veículos e 22 mil mortes em acidentes de trânsito/ano. O índice do
analfabetismo da população brasileira era de cerca 42% e uma significativa parcela
da população não possuía acesso às condições básicas de saúde e moradia. Da
mesma forma que o atendimento da saúde pública era precário, o acesso aos
exames periódicos para motoristas era restrito, chegando quase que à
inutilidade dos testes previstos em função da má aplicabilidade dos mesmos.
Éramos, de certa forma, um país doente.
Com base nestes dados, foi
realizado um trabalho junto ao Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo,
que demonstrava a condição do indivíduo portador de epilepsia e a sua relação
com o trânsito. Nesse estudo, constatou-se o seguinte:
·
que
a pessoa epiléptica geralmente encobre sua doença e não a menciona no momento
do exame médico;
·
que o motorista portador de epilepsia e não
tratado é perigoso tanto para si, quanto para os familiares e demais pessoas;
·
que
o Eletroencefalograma (EEG), quando bem feito, é um exame complementar de
grande apreço quando há suspeita de epilepsia;
·
que
o teste psicotécnico, quando realizado seriamente, também contribui para uma
boa seleção;
·
que
o exame médico minucioso é ainda o melhor exame para a habilitação de
motorista.
A Organização Mundial da
Saúde estima que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo são portadores de
epilepsia, sendo que destas, 40 milhões estão em países subdesenvolvidos. Apesar
desse cenário alarmante, a organização afirma que 70% dos novos casos
diagnosticados podem ser tratados com sucesso, desde que a medicação seja usada
de forma correta. Embora apenas cerca de 2% da população mundial seja portadora
da referida doença, existe, ainda, a dificuldade do paciente em tratar-se e,
muitas vezes, há a interrupção do tratamento, seja pela falta de conhecimento,
seja pelas dificuldades financeiras, culturais ou de acesso ao atendimento
médico especializado.
A relação epilepsia X
trânsito é mais estreita que parece: se para pessoas em condições normais de
saúde, o trânsito nem sempre é dos melhores, para portadores de epilepsia ele
pode ser ainda pior. Além de habilitações inadequadas e sinalização precária,
nos deparamos com uma realidade cada vez mais presente: desrespeito e descaso
para com regras básicas de trânsito. Contudo, sabemos que dirigir automóveis,
para muitos, é uma necessidade e até mesmo fazem da direção uma profissão, como
é o caso dos motoristas profissionais. Desta forma, do ponto de vista social, a
“proibição” de dirigir veículos, é, provavelmente, um dos aspectos mais
incapacitantes da epilepsia.
Há de se levar em
consideração que os fatores estressantes do trânsito (poluição sonora, cansaço
e altas velocidades, dentre outras), além de habilitações inadequadas,
sinalização precária e desrespeito às regras básicas de trânsito, que podem
gerar congestionamentos, atrasos e, principalmente, acidentes, podem
desencadear os sintomas da epilepsia. Por ordem, os principais fatores
desencadeadores de crises convulsivas são:
1º. O uso concomitante de bebidas
alcoólicas e outras drogas lícitas ou ilícitas;
2º. O cansaço, a tensão nervosa e a
sonolência provocados pelo próprio mau desempenho do tráfego e as horas
excessivas de trabalho;
3º. A falta de preparo para a função,
inclusive pelas dificuldades sócio-econômicas e a falta de atendimento médico
básico.
Diante disso, a
restrição para dirigir veículos é reforçada pela percepção do perigo potencial de
um indivíduo portador de epilepsia ter uma crise na direção de um veículo. Note-se
que o perigo é representado tanto para o paciente quanto para outros usuários
das estradas. Entretanto, de
acordo com estatísticas, a freqüência de acidentes de trânsito com epilépticos
pouco difere de acidentes causados por outros tipos de doença:
§
A
bebida alcoólica representa até 1.000 vezes mais a causa de acidentes no
trânsito dos que as crises epilépticas;
§
A
morte súbita, presumivelmente de origem cardíaca, quando na direção de um
veículo automotor também é mais prevalente que o acidente fatal por epilepsia;
§
Os
índices de acidentes envolvendo motoristas portadores de epilepsia controlada
são discretamente aumentados e similares àqueles provocados por condutores com
outras condições médicas crônicas menos restritivas legalmente, como o diabetes
mellitus, por exemplo.
Recentes avanços na área da saúde, no que
tange ao diagnóstico e tratamento da epilepsia, aperfeiçoaram de modo
significativo o controle da mesma. Assim, se faz necessária a revisão das
estatísticas apresentadas quanto aos acidentes de trânsito que envolvem esta
enfermidade. É valido colocar que para se habilitar como motorista, o candidato
deverá submeter-se ao exame de aptidão física e mental (artigo 147 da Lei nº. 9.503,
de 23 de setembro de 1997). Todavia, existem recomendações que devem ser feitas ao indivíduo
com epilepsia que quer dirigir, como:
§
estar
livre de crises no mínimo há um ano e com acompanhamento médico;
§
dirigir
somente veículos da categoria B, isto é, carro de passeio.
§
não
ser motorista profissional, isto é, não conduzir veículos pesados e transporte
público, mesmo livre de crises há anos.
A princípio, a condição de portador de
epilepsia e o fato de usar medicamentos antiepilépticos não incompatibilizarão
o candidato à direção de veículos, salvo se o quadro não estiver controlado,
sujeitando-o a freqüentes crises com alteração de consciência. Pessoas com
intervalos curtos entre as crises não devem dirigir e aquelas com longos
intervalos entre suas crises podem ser consideradas capazes de dirigir com
segurança.
A permissão para dirigir veículos ou a
renovação da habilitação para pessoas portadoras de epilepsia é um problema que
envolve peritos e examinadores, bem como médicos que promovem o tratamento
destes pacientes. A epilepsia é uma condição médica reconhecida como de risco
para a segurança de direção veicular.
Em janeiro de 1998 entrou
em vigor o novo Código de Trânsito Brasileiro, que tem como principal objetivo
transformar o trânsito em algo mais humano e civilizado, ou seja, combater da
melhor maneira possível os acidentes de trânsito. Este código, em vigor desde
então, prevê várias medidas no sentido de aprimorar a educação no trânsito e
para o trânsito, estabelecendo medidas mais severas para a punição das
infrações no trânsito.
Desde os primeiros estudos e pesquisas
realizados e passados
25 anos desde a publicação do artigo “Epilepsia e a medicina do tráfego”, os
dados estatísticos apresentados foram substituídos. Levando em consideração o
aumento demográfico, o Brasil, atualmente, possui uma população de mais de 189
milhões de habitantes e a frota aumentou para mais de 42 milhões de veículos.
Diante disso, vemos, também, um aumento significativo no número de acidentes de
trânsito: mais de 26 mil acidentes com vítimas fatais.
Devemos lembrar que
dirigir é um privilégio e não um direito, e para que consiga este privilégio é
necessário que a pessoa esteja apta, tanto física como mentalmente.
Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra
Bibliografia:
SCIESLESKI, Albino Júlio. Epilepsia e a medicina do tráfego.
Revista Brasileira de Medicina do Tráfego, Vol. 1, N° 1, Setembro/1982, p.
19-23.
Censo
Demográfico 2000. Rio
de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/censo2000_populacao.pdf
Impactos
sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras. Relatório Executivo. Brasília: IPEA/DENATRAN/ANTP,
2000. Disponível em http://www.infoseg.gov.br/renaest/inicio.do;jsessionid=
F629F90BCB6509FA4558DA2A8622A6A2
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