segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

EPILEPSIA E TRÂNSITO: UMA RELAÇÃO ESTREITA


Associada a possessões divinas e demoníacas, a doenças contagiosas ou à loucura, a epilepsia, no decorrer da história, encontrou diferentes formas de definição, diagnóstico e tratamento. Em decorrência disso, muitos portadores foram e são vítimas do preconceito, fato que colabora para que numerosas pessoas tornem-se resistentes a admitir o diagnóstico ou a consentir em iniciar um tratamento adequado.
Teoricamente, a epilepsia é doença que provoca uma alteração temporária e reversível do funcionamento do cérebro. Entretanto, para ser considerada epilepsia, as convulsões não são necessariamente desencadeadas por febre, drogas ou distúrbios metabólicos.
A partir de estudos e pesquisas, em 1982 foi publicado, na Revista Brasileira de Medicina do Tráfego, o artigo sob o título “Epilepsia e a medicina do tráfego”. O artigo discorre, basicamente, sobre epilepsia e sua relação com o trânsito.
Na época em que o artigo acima citado foi escrito, vivíamos num Brasil em desenvolvimento. Tínhamos uma população de 120 milhões de habitantes, uma frota de aproximadamente 10 milhões de veículos e 22 mil mortes em acidentes de trânsito/ano. O índice do analfabetismo da população brasileira era de cerca 42% e uma significativa parcela da população não possuía acesso às condições básicas de saúde e moradia. Da mesma forma que o atendimento da saúde pública era precário, o acesso aos exames periódicos para motoristas era restrito, chegando quase que à inutilidade dos testes previstos em função da má aplicabilidade dos mesmos. Éramos, de certa forma, um país doente.
Com base nestes dados, foi realizado um trabalho junto ao Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo, que demonstrava a condição do indivíduo portador de epilepsia e a sua relação com o trânsito. Nesse estudo, constatou-se o seguinte:
·         que a pessoa epiléptica geralmente encobre sua doença e não a menciona no momento do exame médico;
·          que o motorista portador de epilepsia e não tratado é perigoso tanto para si, quanto para os familiares e demais pessoas;
·         que o Eletroencefalograma (EEG), quando bem feito, é um exame complementar de grande apreço quando há suspeita de epilepsia;
·         que o teste psicotécnico, quando realizado seriamente, também contribui para uma boa seleção;
·         que o exame médico minucioso é ainda o melhor exame para a habilitação de motorista.
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo são portadores de epilepsia, sendo que destas, 40 milhões estão em países subdesenvolvidos. Apesar desse cenário alarmante, a organização afirma que 70% dos novos casos diagnosticados podem ser tratados com sucesso, desde que a medicação seja usada de forma correta. Embora apenas cerca de 2% da população mundial seja portadora da referida doença, existe, ainda, a dificuldade do paciente em tratar-se e, muitas vezes, há a interrupção do tratamento, seja pela falta de conhecimento, seja pelas dificuldades financeiras, culturais ou de acesso ao atendimento médico especializado.
A relação epilepsia X trânsito é mais estreita que parece: se para pessoas em condições normais de saúde, o trânsito nem sempre é dos melhores, para portadores de epilepsia ele pode ser ainda pior. Além de habilitações inadequadas e sinalização precária, nos deparamos com uma realidade cada vez mais presente: desrespeito e descaso para com regras básicas de trânsito. Contudo, sabemos que dirigir automóveis, para muitos, é uma necessidade e até mesmo fazem da direção uma profissão, como é o caso dos motoristas profissionais. Desta forma, do ponto de vista social, a “proibição” de dirigir veículos, é, provavelmente, um dos aspectos mais incapacitantes da epilepsia.
Há de se levar em consideração que os fatores estressantes do trânsito (poluição sonora, cansaço e altas velocidades, dentre outras), além de habilitações inadequadas, sinalização precária e desrespeito às regras básicas de trânsito, que podem gerar congestionamentos, atrasos e, principalmente, acidentes, podem desencadear os sintomas da epilepsia. Por ordem, os principais fatores desencadeadores de crises convulsivas são:
1º.      O uso concomitante de bebidas alcoólicas e outras drogas lícitas ou ilícitas;
2º.      O cansaço, a tensão nervosa e a sonolência provocados pelo próprio mau desempenho do tráfego e as horas excessivas de trabalho;
3º.      A falta de preparo para a função, inclusive pelas dificuldades sócio-econômicas e a falta de atendimento médico básico.
Diante disso, a restrição para dirigir veículos é reforçada pela percepção do perigo potencial de um indivíduo portador de epilepsia ter uma crise na direção de um veículo. Note-se que o perigo é representado tanto para o paciente quanto para outros usuários das estradas. Entretanto, de acordo com estatísticas, a freqüência de acidentes de trânsito com epilépticos pouco difere de acidentes causados por outros tipos de doença:
§  A bebida alcoólica representa até 1.000 vezes mais a causa de acidentes no trânsito dos que as crises epilépticas;
§  A morte súbita, presumivelmente de origem cardíaca, quando na direção de um veículo automotor também é mais prevalente que o acidente fatal por epilepsia;
§  Os índices de acidentes envolvendo motoristas portadores de epilepsia controlada são discretamente aumentados e similares àqueles provocados por condutores com outras condições médicas crônicas menos restritivas legalmente, como o diabetes mellitus, por exemplo.
Recentes avanços na área da saúde, no que tange ao diagnóstico e tratamento da epilepsia, aperfeiçoaram de modo significativo o controle da mesma. Assim, se faz necessária a revisão das estatísticas apresentadas quanto aos acidentes de trânsito que envolvem esta enfermidade. É valido colocar que para se habilitar como motorista, o candidato deverá submeter-se ao exame de aptidão física e mental (artigo 147 da Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997). Todavia, existem recomendações que devem ser feitas ao indivíduo com epilepsia que quer dirigir, como:
§  estar livre de crises no mínimo há um ano e com acompanhamento médico;
§  dirigir somente veículos da categoria B, isto é, carro de passeio.
§  não ser motorista profissional, isto é, não conduzir veículos pesados e transporte público, mesmo livre de crises há anos.
A princípio, a condição de portador de epilepsia e o fato de usar medicamentos antiepilépticos não incompatibilizarão o candidato à direção de veículos, salvo se o quadro não estiver controlado, sujeitando-o a freqüentes crises com alteração de consciência. Pessoas com intervalos curtos entre as crises não devem dirigir e aquelas com longos intervalos entre suas crises podem ser consideradas capazes de dirigir com segurança.
A permissão para dirigir veículos ou a renovação da habilitação para pessoas portadoras de epilepsia é um problema que envolve peritos e examinadores, bem como médicos que promovem o tratamento destes pacientes. A epilepsia é uma condição médica reconhecida como de risco para a segurança de direção veicular.
Em janeiro de 1998 entrou em vigor o novo Código de Trânsito Brasileiro, que tem como principal objetivo transformar o trânsito em algo mais humano e civilizado, ou seja, combater da melhor maneira possível os acidentes de trânsito. Este código, em vigor desde então, prevê várias medidas no sentido de aprimorar a educação no trânsito e para o trânsito, estabelecendo medidas mais severas para a punição das infrações no trânsito.
Desde os primeiros estudos e pesquisas realizados e passados 25 anos desde a publicação do artigo “Epilepsia e a medicina do tráfego”, os dados estatísticos apresentados foram substituídos. Levando em consideração o aumento demográfico, o Brasil, atualmente, possui uma população de mais de 189 milhões de habitantes e a frota aumentou para mais de 42 milhões de veículos. Diante disso, vemos, também, um aumento significativo no número de acidentes de trânsito: mais de 26 mil acidentes com vítimas fatais.
Devemos lembrar que dirigir é um privilégio e não um direito, e para que consiga este privilégio é necessário que a pessoa esteja apta, tanto física como mentalmente.

Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra








Bibliografia:
SCIESLESKI, Albino Júlio. Epilepsia e a medicina do tráfego. Revista Brasileira de Medicina do Tráfego, Vol. 1, N° 1, Setembro/1982, p. 19-23.
Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/censo2000_populacao.pdf
Impactos sociais e econômicos dos acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras. Relatório Executivo. Brasília: IPEA/DENATRAN/ANTP, 2000. Disponível em http://www.infoseg.gov.br/renaest/inicio.do;jsessionid= F629F90BCB6509FA4558DA2A8622A6A2

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