Muitos devem se perguntar: é possível pensar em criança deprimida? Não é a infância a idade da alegria, do prazer, da despreocupação?
Em resposta a essas questões podemos dizer que a depressão é um mal silencioso que atinge tanto adultos como crianças. A depressãoinfantil vem sendo observada, diagnosticada e tratada nos últimos anos. A Organização Mundial da Saúde, em suas últimas estatísticas, mostra que até os 12 anos de idade, aproximadamente 3 a 4% das crianças convivem com sintomas depressivos leves, moderados e graves. A depressão infantil, quando não tratada, pode aparecer em outros momentos da vida e tornar-se mais complicada.
O transtorno depressivo infantil é um transtorno do humor capaz de comprometer o desenvolvimento da criança ou do adolescente e de interferir em seu processo de maturidade psicológica e social, chegando a causar problemas graves no lar, na escola. E, quando não percebido, pode inclusive levar ao suicídio.
As crianças, quando depressivas, não sabem o que realmente acontece com elas. A tendência é que tentem contornar as dificuldades de maneira imperceptível, até mesmo para elas. Nessa fase, o comportamento das crianças muda sutilmente. Os pais, por conviverem por mais tempo com os filhos, são os que notam essas mudanças de atitudes. Porém, apesar de tamanha gravidade da depressão na infância e na adolescência em relação à qualidade de vida, ao suicídio, às dificuldades na escola, no trabalho e no ajuste pessoal, esse quadro não tem sido devidamente valorizado por familiares e pediatras, nem adequadamente diagnosticado. Os pais, muitas vezes, não se aproximam para saber o que está acontecendo, sem repreender e sem prestar a devida atenção. Na escola, não raro, muitos professores não percebem ou não têm habilidade suficiente para notar e avaliar a mudança no comportamento do aluno.
Pais, professores e médicos devem ser os principais observadores das modificações comportamentais, queixas e sintomas que ocorrem com crianças e adolescentes, para poderem diferenciar o que é uma tristeza comum causada por episódios esporádicos e o que pode ser uma possível depressão. É preciso saber identificar as perdas, as tristezas, os choros, o sono e verificar se não existe histórico semelhante na família, já que para que se tenha um bom diagnóstico, deve-se observar os casos de reação, bem como os casos de hereditariedade.
Embora na maioria das crianças a sintomatologia da depressão seja atípica, algumas podem apresentar sintomas clássicos da depressão, tais como tristeza, ansiedade, expectativa pessimista, mudanças nos hábitos alimentares ou no sono, e, ainda, problemas físicos, como dores inespecíficas, fraqueza, tonturas, mal-estar geral, que não respondem ao tratamento médico habitual.
Na criança e no adolescente, a depressão, em sua forma atípica, esconde verdadeiros sentimentos depressivos sob uma máscara de irritabilidade, de agressividade, hiperatividade e rebeldia, com violação das regras sociais anteriormente aceitas, oposição à autoridade, preocupações e questionamentos de adultos. As crianças mais novas, devido à falta de habilidade para uma comunicação que demonstre seu verdadeiro estado emocional, também manifestam a depressão atípica, notadamente com hiperatividade.
Isso tudo pode ter início com a perda de interesse pelas atividades que habitualmente eram interessantes, manifestando-se como uma espécie de aborrecimento constante diante dos jogos, brincadeiras, esportes, passeios com amigos etc., além da apatia e redução significativa da atividade. Às vezes, pode haver tristeza. De forma complementar, aparece diminuição da atenção e da concentração, perda de confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade e baixa autoestima, idéias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do sono e da alimentação e, dependendo da gravidade, ideação suicida.
Analisando agora especificamente o comportamento, a depressão nessas faixas etárias pode causar deterioração nas relações sociais, seja com familiares seja com amigos, perda de interesse por pessoas e isolamento. As alterações cognitivas da depressão infantil, principalmente relacionadas à atenção, raciocínio e memória, interferem sobremaneira no rendimento escolar.
Um dos males desse tipo de depressão é a superproteção, causada por superpais ou superavós, pessoas que exageram em zelar pelos filhos, excedendo-se em cuidados de todo tipo, não permitindo que a criança ou o adolescente desenvolva auto-imagem e auto-estima positivas.
O tratamento de uma criança ou adolescente com depressão precisa ser adequado e contar com a ajuda de todos os envolvidos no processo – familiares, amigos, professores – e, ainda, precisa ser constante. Começa por saber ouvir a criança ou o adolescente; acreditar nas suas reclamações, notar seus sintomas. Deve-se pedir o auxílio aos professores quanto a dúvidas de comportamento, por exemplo, já que muitas crianças ou adolescentes passam mais tempo com seus professores do que com os pais, e, assim, uma conversa pode esclarecer muitas preocupações.
Evidentemente, que para todos os casos, deve-se procurar também a ajuda de um profissional, um médico de confiança da família. É importante frisar que em casos preocupantes é preciso que a família fique unida, não agindo com superproteção ou autoritarismo, mas com práticas sociais, escolares, esportivas e de lazer, para aumentar a autoconfiança da criança, buscar uma terapia psicológica e/ou psiquiátrica e, se necessário, seguir a receita de medicação, sempre evitar recaídas.
Não podemos esquecer que a depressão é a terceira doença do mundo desenvolvido e a que mais cresce no momento e que o bom contato e o bom relacionamento com afeto são fundamentais, tanto para evitar como para descobrir e tratar a depressão em crianças.
Exemplo de caso
Maria tinha nove anos de idade, estava na 4ª série do ensino fundamental. Era considerada uma aluna nota dez. Essa criança, porém, começou a sentir fortes dores de estômago, também sentia tonturas e vomitava toda vez que se aproximava do horário de ir à escola.
Após um mês, seus pais decidiram nos procurar. Após várias entrevistas com os pais (aparentemente bem estruturados, sendo a mãe professora e o pai agricultor), sentíamos que havia, ainda, algum segredo não revelado.
Maria foi avaliada em sessões semanais e, aos poucos, foi adquirindo confiança e se desnudando, porém continuava se negando a ir à escola.
Finalmente, o problema emergiu: o pai havia se envolvido com outra mulher.
O medo da perda do pai, o medo do problema ser focado em ambientes sociais, o medo de se expor, levou Maria a uma depressão somatizada. Na sua cabecinha, o segredo tinha que ser guardado. Ao desvelar o que a afligia, Maria sentiu um alívio, pois estava protagonizando a dor de todos, que agora podia ser dividida. O que era segredo, passou a ser problema e para problemas busca-se soluções. O medo e a vergonha foram substituídos pelo desejo de enfrentamento. Maria foi medicada por curto período. A família se organizou. Maria pôde voltar à escola.
Albino Júlio Sciesleski, Marisa Potiens Zilio
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