Que sentimento é este que faz
tanto mal quanto àquele que desejamos a outros? Que rouba tempo, sono e
criatividade? Que gera culpa, insatisfação e sentimento de impotência?
Embora seja este um dos
sentimentos mais freqüentes do ser humano, são raros os estudos sobre a
vingança.
No dicionário encontramos
dois significados da palavra vingança. São significados controversos e contraditórios,
porém são próximos se considerarmos do ponto de vista da análise psicológica:
a) vingança como desforra ou cobrança; b) vingança de vingar, dar certo, dar
frutos, produzir.
Vingança consiste na
retaliação contra uma pessoa ou grupo em resposta a algo que foi percebido ou
sentido como prejudicial. Embora muitos aspectos da vingança possam lembrar o
conceito de igualar as coisas, na verdade a vingança em geral tem um objetivo
mais destrutivo do que construtivo. Quem busca vingança deseja forçar o outro
lado a passar pelo que passou e/ou garantir que não seja capaz de repetir a
ação nunca mais.
Sobre as bases morais, psicológicas e culturais da
vingança a filósofa Martha Nussbaum[1]
escreveu:
"O senso primitivo
do justo — notadamente constante de diversas culturas antigas a instituições
modernas . . . — começa com a noção de que a vida humana
. . . é uma coisa vulnerável, uma coisa que pode ser invadida,
ferida, violada de diversas maneiras pelas ações de outros. Para esta
penetração, a única cura que parece apropriada é a contrainvasão, igualmente
deliberada, igualmente grave. E para equilibrar a balança verdadeiramente, a
retribuição deve ser exatamente, estritamente proporcional à violação original.
Ela difere da ação original apenas na seqüência temporal e no fato de que é a
sua resposta em vez da ação original — um fato freqüentemente obscurecido se há
uma longa seqüência de ações e contra-ações".
Como
a vingança se desencadeia do ponto de vista psicológico?
Quando algo perturbador
acontece, gerando sofrimento ao indivíduo, a sua imaturidade psicológica se
sente ameaçada. É algo tão forte, que mesmo raciocinando conscientemente, não
consegue se desvincular das manifestações desconhecidas que traz, armazenadas
em seu inconsciente, exigindo reparação, desforra, e mesmo a aniquilação do seu
opositor.
Inicia-se,
então, uma acirrada disputa entre o seu lado racional, procurando resistir a
esse tipo de atitude, por identificar essa falha do caráter, e o seu lado
irracional, revestido de toda sua bagagem sombria de manifestações inesperadas e
inconseqüentes, desconhecidas da personalidade do indivíduo.
Esses
impulsos doentios emergem de áreas desconhecidas do ego, e induzem o indivíduo
a um trabalho de desenvolvimento perseverante de odiosidade, instaurando-lhe no
mais profundo de seu ser a revolta e o desconforto ante o opositor, que se lhe
apresenta como um perigo constante para sua segurança. Entretanto, nem sempre a
figura do opositor é real, mas sim fruto da imaginação e do inconsciente.
O fenômeno ocorre tanto
individualmente como em grupo. No individuo, esse comportamento provoca o
perverso mecanismo conflitivo, que o leva ao desespero, e mesmo quando o outro
já não mais lhe representa perigo algum, mesmo depois de se render ou ser
aniquilado, os efeitos desastrosos da vingança não desaparecem frustrando a
quem aparentemente estaria vitorioso. No grupo, como as nações, por exemplo,
este fenômeno provoca o ensejo do desencadeamento das guerras.
Invariavelmente
neurótico, o enfermo indivíduo que assim age, vitimado quase sempre pela
repressão sexual infantil ou dominado pela sede do poder e da ambição, vive a
competir com os demais, os quais passa a invejar por se encontrarem em melhores
situações psicológicas que a dele.
Como classificar o sentimento de
vingança?
A
vingança é um transtorno neurótico, torpe, que liberta do inconsciente forças
desordenadas sob o estímulo do “aniquilamento” do inimigo.
Curioso
é notar, que o inimigo não é aquele que se torna combatido, mas sim o seu
próprio “eu” que transfere para o outro, em fenômeno de projeção, o que guarda
internamente. Ao armar-se de calúnia e de outros mecanismos de perseguição,
contra aquele a quem odeia, está realizando uma luta inconsciente contra si
mesmo, uma vez que está apenas projetando o lado escuro e sombrio da sua
personalidade que lhe mantém preso a ignorância.
Fixa-se
no adversário com implacável disposição de conseguir a sua extinção, que
enganosamente, para ele dependerá sua liberdade a partir desse momento.
Além da inferioridade moral que tipifica o
vingador, o seu primarismo emocional elabora razões ponderadas que são
arquitetadas pela mente em desalinho, para justificar o prosseguimento de tal
façanha. Em outras oportunidades, sua inferioridade se projeta e não se sente
devidamente capaz de competir contra valores significativos, os quais
invariavelmente não possui.
Se por acaso, tiver a
oportunidade de se harmonizar com o inimigo, não o perdoa interiormente –
embora possa ser na verdade, o maior merecedor de perdão –, ruminando o que
considera sua derrota até encontrar novos argumentos para dar prosseguimento à
sanha doentia de vingança, pela sua libido atormentada.
Aqueles que se apóiam em
mecanismos vingativos foram vítimas de repressão na infância ou juventude. Sentiram-se
desprezados pelo grupo social e transferem agora suas frustrações para
quaisquer outros, desde que isto lhes transformem em pessoas de poder ou
ambiciosos dirigentes de “qualquer coisa”, em que a personalidade esquizóide,
paranóide, maneirosa, falsamente humilde ou pretensiosamente dominadora possa a
ser homenageada.
Conseqüências
prejudiciais da vingança:
Os
indivíduos que assim procedem, levados pelo sentimento desequilibrado e doentio
da vingança, estarão sempre sujeitos a desviar-se de seus objetivos de vida ou
até virem a ter crises psicossomáticas podendo transformarem-se personalidades
psicopatas perigosas.
Reciprocidade
ou vingança?
Quando perguntado se
perdoava a quem o tinha ofendido, Gandhi respondeu: “Mas ninguém me ofendeu”. A
frase de Gandhi nos aponta para uma mente sadia, que é capaz de perdoar ou de
legitimar suas intenções, sem que opositores lhes pareçam inimigos ou pessoas a
serem combatidas.
Se agirmos em represália,
os nossos direitos mesmo que legitimados por termos jurídicos, perdem sua
legalidade. Devolver na mesma moeda não constrói nem transforma a natureza
humana.
As pessoas podem viver em
harmonia, desde que respeitem suas divergências, suas diferenças e seus
direitos. Também é importante saber que sentimentos nascem no mais íntimo do
nosso ser e como já dito neste artigo, nem sempre reconhecidos por nós. Para
isto, existem as terapias, o diálogo, a busca da espiritualidade e tantos
outros mecanismos que não apenas farão bem à pessoa como a toda a humanidade.
Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra
Marisa Potiens Zílio
Psicopedagoga
Albino Julio Sciesleski
Médico Psiquiatra
Marisa Potiens Zílio
Psicopedagoga
[1] Martha
Nussbaum é
professora de Direito e Ética na Universidade de Chicago. É uma das mais
inovadoras e influentes vozes do cenário filosófico atual.
A busca da espiritualidade através do sentimento de compaixão para depois o perdão.
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